De Acqua Expert – Em 25 de janeiro de 2022
Hoje vamos falar de um assunto muito recorrente – o arraste de sólidos. Algumas pessoas chamam de arraste de sólidos, outras de escape de sólidos e também, de lodo flotado. A seguir podemos observar um decantador com arraste de sólidos (FIGURA 1) e outro com efluente clarificado (FIGURA 2).
FIGURA 1: Arraste de sólidos no decantador secundário.
FIGURA 2: Efluente clarificado no decantador secundário.
Inicialmente, para identificação do problema, é necessário que entendamos qual é a forma correta de medir os sólidos e qual parâmetro deve ser analisado.
Normalmente é realizada a análise de sólidos sedimentáveis, também conhecido como resíduos sedimentáveis. A análise é realizada no efluente tratado (saída do decantador secundário), onde, 1 litro de amostra é coletado e transferido para um cone de inhoff (Figura 3) por 1 hora para sedimentar. O ideal é que depois de 45 minutos seja utilizado um bastão de vidro para causar uma leve agitação e soltar o material que ficou aderido na parede do cone para que ele também possa decantar. Após 1 hora, verifica-se qual o volume ocupado pelos sólidos sedimentáveis no fundo do cone. De acordo com o art. 16 do CONAMA 430/2011 o limite de lançamento para sólidos sedimentáveis de 1 mL/L. Significa que se após 1 hora de sedimentação o volume de sólidos for superior a 1 mL em 1 litro de amostra, está havendo perda de sólidos, ou seja arraste de lodo. A análise pode ser realizada em laboratório ou in loco (Figura 4).
Figura 3: Análise de Sólidos Sedimentáveis com cone de inhoff em laboratório.
Figura 4: Análise de Sólidos Sedimentáveis com cone de inhoff in loco.
Em algumas situações, o arraste é perceptível visualmente no decantador, mas não se mantém o registro dessas informações. O histórico de ocorrência é muito importante para que seja observado se essa situação é mais frequente em algum horário do dia, dia da semana ou se o arraste é contínuo.
O arraste de sólidos pode ter origem a partir de problemas biológicos ou problemas físicos (FIGURA 5).
FIGURA 5: Principais problemas responsáveis pelo arraste de sólidos.
- Origem biológica – ocorre quando os flocos biológicos não estão bem formados no tanque de aeração. Tem como consequência um IVL muito alto.
A boa formação do floco está relacionada com as características da sua estrutura. Assim, os flocos ideais (FIGURA 6) são considerados grandes, compactos (a quantidade de biomassa atribui coloração ao floco), firmes, redondos, com bactérias filamentosas em quantidade controlada e com poucas bactérias livres em suspensão (são as bactérias que não se aderiram ao floco). Essa morfologia permite uma boa sedimentação, IVL baixo e pouca chance de ter arraste.
FIGURA 6: Estrutura de um floco ideal. In vivo. 100 x. Contraste de fase.
Existem basicamente quatro tipos de lodos biológicos patológicos, e logo abaixo vamos explicar os três tipos principais:
- Flocos com Crescimento Disperso (FIGURA 6) – são flocos constituídos de pouca biomassa (é possível ver pela coloração) e com presença de muitas bactérias livres em suspensão, que são as bactérias que ainda não se aderiram aos flocos. Resultam em IVL alto e turbidez alta. São ocasionados por diferentes características do afluente, como elevada toxicidade e/ou baixo pH e/ou temperatura muito elevada e/ou excesso de cátions monovalentes comparado aos cátions divalentes.
FIGURA 7: Flocos com crescimento disperso. In vivo. 100 x. Contraste de fase.
- Flocos com Bulking Viscoso – é caracterizado pela produção excessiva de EPS (substâncias poliméricas extracelulares). Essas substâncias são sintetizadas pelas próprias bactérias com objetivo principal de formar os flocos biológicos, pois a sua consistência gelatinosa e grudenta, une as bactérias umas às outras. Porém em ocasiões em que há falta de nutrientes (principalmente nitrogênio e fósforo), ou quando o efluente é rico em compostos rapidamente biodegradáveis (açucares, amido, ácidos orgânicos, etc), as bactérias produzem EPS em excesso (FIGURA 8) como alternativa para manter uma reserva energética.
O excesso de EPS pode ser constatado através de uma análise específica para essa finalidade, denominada Teste do Nanquim, (FIGURA 9) e consiste na adição de uma gota de tinta nanquim a uma gota de amostra. Quando a amostra possui EPS em excesso, o floco repele a tinta e é possível visualizar o nanquim contornando o floco. Em condições de EPS sob controle, o floco absorve a tinta, ficando preto. A leitura é realizada em microscópio com aumento de 100x (objetiva de 10x) utilizando contraste de fase.
A consequência do bulking viscoso é um IVL muito alto e a chance de ter arraste de sólidos também é alta. Como o aspecto do EPS é gelatinoso, quando presente em excesso, confere à amostra grande viscosidade. Por essa razão, a desidratação do lodo pode ser dificultada.
FIGURA 8: Flocos com excesso de EPS. In vivo. 100 x. Contraste de fase.
FIGURA 9: Teste do nanquim com resultado positivo. In vivo. 100 x. Contraste de fase.
- Flocos com Bulking Filamentoso – esse é o problema mais comum e temido. Ocorre quando há um crescimento excessivo de bactérias filamentosas formando uma estrutura similar a uma rede debaixo dos flocos (FIGURA 10). Mesmo que a morfologia do floco esteja nas condições ideais de firmeza, compactabilidade e tamanho, a estrutura formada pelas filamentosas exercem um efeito de “paraquedas” impedindo a boa sedimentação dos flocos. Consequentemente, o IVL é alto e há grande chance de ocorrer arraste de sólidos.
FIGURA 10: Flocos com Bulking Filamentoso. In vivo. 100 x. Contraste de fase.
2) Origem física – pode ocorrer sobrecarga de sólidos e/ou sobrecarga hidráulica e/ou desnitrificação, algum problema mecânico no decantador secundário. Ocorre quando, apesar de a análise microbiológica apontar para flocos com ótimas características, lodo com IVL baixo, ainda assim há arraste de sólidos. Neste caso pode estar ocorrendo uma má operação do decantador secundário ou até mesmo defeitos nos raspadores de fundo ou desnivelamento dos vertedores ou ainda a cortina de distribuição pode estar desnivelada ou oxidada. Neste caso será necessário realizar uma boa manutenção nessa instalação.
Por fim, devemos ter em mente que os decantadores secundários são projetados considerando-se cenários extremos e não visando receber lodo sempre com IVL baixo. É possível decantar lodo com IVL alto, desde que se tenha um conhecimento profundo relacionado a operação do decantador secundário. Mas este será um assunto para um novo artigo aqui no Blog em breve.
Referências Bibliográficas
Jenkins, D., Richard, M., Daigger, G. 2003. Manual on the causes and control of activated sludge bulking and foaming. USA).
Von Sperling, Marcos. Princípios do Tratamento biológico de águas residuárias; v.4. 1997
Metcalf & Eddy. Inc. Wastewater Engineering, treatment, and reuse – 4th ed. – 2003.